sábado, 23 de maio de 2009

Sociedade Vícios em profusão - Mal-estar contemporâneo


Sociedade vícios em profusão. Mal-estar contemporâneo Drogas, bebida, jogo, trabalho, exercício, sexo, comida. Nos tempos atuais, há cada vez mais pessoas viciadas nas mais diferentes possibilidades de adicção. Mas o que há por trás de tamanha compulsividade?


Mil e cem cigarros. Entre 1999 e 2002, essa foi a quantidade média consumida pelos brasileiros, por ano, no País, segundo dados da Secretaria da Receita Federal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e da Secretaria de Comércio Exterior. Um número que, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, é até animador. Afinal, em 1986 o consumo atingiu a taxa recorde de quase 2 mil unidades, durante uma fase de expansão econômica. Tabagismo em declínio, eis o que os números revelam.


Apesar disso, não há muito mais a comemorar - sobretudo quando o leque de possibilidades que podem levar ao vício é aberto, apresentando cada vez mais opções. Segundo estudos do Conselho Federal de Farmácias, por exemplo, existe no Brasil um estabelecimento para cada 3 mil habitantes, ao passo que o sugerido pela Organização Mundial de Saúde é de apenas uma farmácia para cada 10 mil habitantes. Para especialistas, a estatística indica o uso indiscriminado de medicamentos pela população, um tipo de abuso, aliás, que já virou até tema de livro.
Em Tarja preta, personalidades como Jorge Mautner e Pedro Bial reuniram-se para contar histórias fictícias protagonizadas por personagens assumidamente dependentes de remédios de uso controlado. Porém, além de uso em excesso de tabaco e de medicamentos como Valium e Prozac, o Brasil - como muitos outros lugares do mundo - apresenta também consumo abusivo de álcool, drogas e muitos outros estimulantes.


Na modernidade, quando as garantias de segurança são enfraquecidas, os vícios se proliferam
Se pelo menos 1 milhão de pessoas, em São Paulo, são alcoólatras, segundo dados do Ministério da Saúde, e 1,2% da população entre 12 e 65 anos de 108 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes pôde ser definida como dependente de maconha (de acordo com o Segundo Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado em 2005), não há estatísticas para definir quantos são os viciados em trabalho, em exercícios, em sexo. Cada vez mais, no entanto, eles são retratados em matérias jornalísticas e fundam grupos de ajuda mútua, lançando questões: será esse fenômeno típico da modernidade? O que há por trás no aparente boom de dependentes e compulsivos?


Segundo o sociólogo Leonardo Mota, autor dos livros A dádiva da sobriedade: a ajuda mútua nos grupos de Alcoólicos Anônimos e Dependência química: problema biológico, psicológico ou social?, a noção de vício, nas últimas décadas, ultrapassou a questão do álcool e das drogas ilícitas, embora o seu modelo ainda seja inspirado nesse tipo de dependência. Para ele, existem alguns fatores que indicam que o número de pessoas viciadas, na sociedade moderna, tem aumentado se comparado a períodos históricos anteriores.


"Nos Estados Unidos, existe uma grande indústria em torno do tratamento de vícios, com uma enxurrada de propostas terapêuticas e clínicas de reabilitação para os mais diversos tipos de vícios: sexo, compras, exercícios, internet, drogas, celular, trabalho, dentre outros. Ultimamente, a partir da proliferação de artigos e reportagens na mídia sobre vícios, não creio ser um exagero dizer que os comportamentos compulsivos aumentaram em sua prevalência. Outro indicador é o significativo aumento de vários grupos de ajuda mútua baseados no modelo de Alcoólicos Anônimos, para tratar diversos vícios, compulsões, neuroses e outros problemas emocionais", explica o pesquisador, que recentemente defendeu tese de doutorado intitulada Pecado, crime ou doença? Representações sociais da dependência química, na Universidade Federal do Ceará. Mas o que estaria favorecendo, na sociedade atual, esse tipo de comportamento compulsivo? Leonardo Mota explica que, segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens, o incremento dos vícios está associado a um processo de destradicionalização da população.


Nas sociedades pré-modernas, a tradição oferecia um apoio que estava ligado às rotinas da conduta cotidiana que raramente se modificavam. "Na modernidade, quando as garantias de segurança são enfraquecidas, os vícios se proliferam em virtude da ansiedade inerente a este cenário, o que fez surgir essa "sociedade compulsiva". No passado, é claro que existiam vícios, mas não na intensidade em que eles se apresentam hoje.

A imaginação sociológica diz que não há um indivíduo isolado de suas contingências sociais.


Atualmente, podemos dizer que eles se apresentam como um reflexo da insegurança endêmica que assola a sociedade contemporânea. Se as pessoas não podem mais prever sua rotina, ao menos o vício oferece alguma segurança por meio da repetição do comportamento compulsivo", explica Mota. Sob essa perspectiva, a questão do vício não deve ser vista de maneira isolada, mas como parte de um malestar contemporâneo que também fica evidente por outros problemas psiquiátricos, como a depressão, o transtorno obsessivo-compulsivo, a síndrome do pânico, a anorexia, a bulimia, etc. Existem, ainda, vários fatores envolvidos no surgimento de um vício: há os biológicos, os psicológicos e os sociais, dependendo do caso.


Entre esses últimos, por exemplo, está a disponibilidade de drogas, a pobreza, a cultura permissiva em relação ao uso de substâncias químicas em um círculo de amizade, a ausência de políticas sobre álcool, tabaco e drogas, além de mudanças sociais abruptas, dentre muitos outros. "Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com usuários de substâncias, semanas após o atentado de 11 de setembro de 2001, por exemplo, revelou aspectos interessantes sobre a relação entre consumo de drogas e estresse social. A pesquisa verificou que houve um aumento de quase 30% no consumo de álcool, maconha e tabaco nas primeiras semanas posteriores ao atentado ao World Trade Center, entre indivíduos que residiam nos arredores das torres gêmeas", relata Mota.


"Na clássica obra A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, Friedrich Engels (1820- 1895) já documentava o aumento dramático do alcoolismo entre os trabalhadores explorados da Inglaterra do século XIX. Portanto, existe uma relação entre o meio social e os vícios, sendo que muitas outras pesquisas atestam este componente da etiologia das dependências."

Armas no combate ao vício
No Brasil, existem enormes limitações relacionadas ao tratamento da dependência química, segundo Leonardo Mota. "Muitas instituições que oferecem esses serviços carecem de recursos humanos e materiais. Boa parte da população só vê a solução do problema das drogas pela via da repressão policial, o que já se mostrou ineficaz", explica o pesquisador.


Clínicas particulares são opções apenas para pessoas de classe média alta e muitos dependentes químicos pobres não conseguem vagas para internação. Além disso, os profissionais que trabalham nessa área recebem baixos salários, suas condições de trabalho são precárias e a qualificação técnica deixa a desejar. A atual legislação brasileira sobre drogas, porém, contempla várias ações do poder público para mudar essa realidade. Falta, no entanto, fazê-la acontecer.

APESAR DE o vício ser o resultado de múltiplos fatores - inclusive sociais, como mencionado -, é interessante notar que, por vezes, é o discurso médico ou psicológico - e não o das ciências sociais - que ganha um destaque maior na hora de interpretar esse fenômeno. Da mesma maneira, a responsabilidade por um indivíduo ter se tornado dependente de alguma substância ou atividade é, muitas vezes, colocada sobre a família, mas não compartilhada com a sociedade em geral. Entender a razão pela qual isso tudo ocorre também nos auxilia a compreender de forma mais ampla a questão.


"O discurso médico tem um enorme poder em nossa sociedade por causa do prestígio da profissão e de seus vínculos com a indústria farmacêutica. A indústria de bebidas alcoólicas também se beneficia da noção de que o alcoolismo depende somente de uma predisposição orgânica inerente ao indivíduo. Além disso, existe um reducionismo psicológico que coloca tudo em termos das relações familiares, como se a família não fosse afetada pelos atuais problemas sociais (embora muitos psiquiatras ou psicólogos reconheçam as limitações das "ciências do singular" e uma pessoa só se recupere de um vício por meio de uma decisão individual). É justamente aí que entra a imaginação sociológica, para nos dizer que não existe um indivíduo isolado de suas contingências sociais", explica Leonardo Mota.


O aumento dos comportamentos compulsivos, dentre eles o vício em compras, sexo e exercícios, estaria associado a um processo de destradicionalização da sociedade
Ainda hoje o vício é visto pelo prisma da moralidade, sendo atribuído à falta de caráter ou fraqueza.


Médicos, psicólogos e sociólogos, porém, enfrentam um problema comum ao lidar com a questão da dependência ou compulsão: o fato de, ainda hoje, esse problema ser visto pelo prisma da moralidade, atribuído à falta de caráter ou fraqueza de personalidade da pessoa envolvida. "Apesar dos esforços da comunidade científica em reverter essa apreciação do problema, ela permanece e somente piora o acesso dos dependentes a um tratamento conivente com a dignidade humana", alerta Mota.


Imersos em uma sociedade que, por um lado, estimula o uso de bebidas, de tabaco ou de estimulantes, assim como a prática de exercícios físicos, o consumo ou a competição no trabalho, dentre outras possibilidades, os indivíduos são também, paradoxalmente, desqualificados no meio social quando se tornam dependentes.


"Normalmente, a mesma sociedade que estimula o uso desqualifica a pessoa quando ela fica viciada", sintetiza Mota. É o viciado em compras que iniciou sua trajetória de consumo graças ao crédito fácil. Ou, no bar, o que viola as regras do "bom bebedor", em que eventuais pileques são permitidos e incentivados, mas a decadência social e financeira em consequência do alcoolismo é altamente condenada.

É claro que, como Leonardo Mota lembra, o comportamento de uma pessoa viciada em álcool e drogas geralmente causa uma série de danos interpessoais, provocando ressentimentos entre seus familiares e na comunidade. Portanto, as condenações a que são submetidos os dependentes químicos - ou mesmo os de outra natureza - não surgem ao acaso.

"Por outro lado, a sociedade sempre precisará de bodes expiatórios para escamotear suas próprias contradições e os dependentes químicos são ideais para esse tipo de produção de sentido. Trata-se de um fenômeno complexo que abarca muitos pontos de vista", afirma o pesquisador.


Problema em números - Já fizeram uso de qualquer droga, sem contar álcool e tabaco
Em 2005, a Secretaria Nacional Antidrogas realizou, em parceria com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo, o Segundo Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil. Para que pudesse ser estimada a prevalência do uso de drogas lícitas e ilícitas no País, foram realizadas 7.939 entrevistas em 107 cidades de todo o território nacional com mais de 200 mil habitantes, além de Palmas, capital do Tocantins. O universo estudado correspondeu ao da população brasileira residente em municípios desse tipo, com faixa etária entre 12 e 65 anos de idade. A seguir, alguns dos dados obtidos.



Drogas mais usadas nas 108 cidades pesquisadas
O percentual da população pesquisada que já fez uso de drogas na vida (22,8%), exceto tabaco e álcool, corresponde a uma população de quase 11 milhões de pessoas. Em pesquisa semelhante realizada nos Estados Unidos, em 2004, essa porcentagem atinge 45,4% e, no Chile, 17,1%.
O percentual para uso na vida de maconha (8,8%) é bem menor que o registrado em países como Estados Unidos (40,2%), Reino Unido (30,8%), Dinamarca (24,3%), Espanha (22,2%) e Chile (22,4%), mas superior à Bélgica (5,8%) e Colômbia (5,4%). Surpreendentemente, o uso na vida de orexígenos (medicamentos utilizados para estimular o apetite) foi de 4,1%. Vale lembrar que não há controle para venda desse tipo de medicamento.



Dependentes de drogas nos municípios pesquisados*
O percentual de dependentes de álcool (12,3%) e de tabaco (10,1%) corresponde a populações de 5.799.005 e 4.700.635 de pessoas, respectivamente. *Os critérios adotados neste trabalho para diagnosticar dependência são menos rigorosos que os adotados pela Organização Mundial da Saúde, o que pode ter inflacionado os números.


Na faixa etária de 12 a 17 anos, foram apresentados relatos de uso das mais variadas drogas, bem como facilidade de acesso a elas e vivência de consumo próximo. Quase 8% dos jovens relataram já terem sido abordados por pessoas querendo vender droga. Um terço da população masculina com idade entre 12 e 17 anos declarou já ter sido submetida a tratamento para dependência de droga.

Trabalhar demais é um dos vícios que tendem a ser mais "aceitos" do que outros, embora isso não exclua o componente do sofrimento presente em qualquer tipo de dependência ou compulsão
TANTO É QUE há até mesmo alguns vícios que tendem a ser mais "aceitos" do que outros, embora isso não exclua o componente do sofrimento, sempre presente em qualquer tipo de dependência ou compulsão. Um workaholic, por exemplo, pode ser admirado pelo chefe e até obter prestígio e dinheiro por meio de seu vício. No entanto, seus relacionamentos com a família e os amigos tendem a se deteriorar com o seu isolamento no mundo do trabalho. Ainda assim, toda a sua dedicação pode não ser suficiente em um mundo de competição cada vez mais acirrada, que gera muita insegurança, por conta dos altos índices de desemprego e precarização do trabalho.

Da mesma maneira, um viciado em exercícios físicos pode ter status e poder de sedução com o seu corpo, mas sua vida emotiva pode estar em frangalhos, apesar da boa aparência física. Justamente por conta dessas múltiplas facetas, abordar a questão da dependência e dos vícios pelo âmbito da Sociologia é essencial para combater um problema carregado de estigmas e preconceitos, mas que pode atingir qualquer pessoa.

"Livrar-se dos tabus impostos pela sociedade é essencial para resgatar a condição humana daqueles que padecem de vícios e trazer essa questão para o debate público de forma racional", afirma Mota. "Embora não disponha de formação clínica, o papel do cientista social na análise, e até mesmo na intervenção nesta área, é fundamental. Aliás, quem ainda acredita que o aumento desses vícios não se constitui um sintoma social?"

Maria Figueira (Jornalista)

Portal Ciência e Vida (Revista de Sociologia)

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Analfabetismo



Educação
Taxa de analfabetismo no Nordeste é quase o dobro da média nacional. Enquanto no Sul do país o percentual analfabetos representa pouco mais da metade da taxa, atingindo 5,4% da população, no Nordeste o índice é quase o dobro da média nacional, 19%.
Agência Brasil

As diferenças entre regiões brasileiras também têm reflexo nas taxas de analfabetismo. Enquanto no Sul do país o percentual de analfabetos representa pouco mais da metade da taxa brasileira, atingindo 5,4% da população, no Nordeste o índice é quase o dobro da média nacional, 19,9%. Os dados são da Pesquisa Nacional por amostras de Domicílios (Pnad) 2007, do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo especialistas, a relação existente entre analfabetismo e pobreza explica a maior incidência do problema nos estados nordestinos. “A pessoa pobre tem um acesso restrito à educação e a muitos outros direitos como saúde, habitação, saneamento básico. Então, onde há bolsões de pessoas de baixa renda, como no Nordeste, há bolsões de pessoas que não sabem ler e escrever”, explica o especialista em educação de jovens e adultos da Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Timothy Ireland.

Para tentar diminuir o continente de analfabetos no Nordeste e, conseqüentemente, reduzir as disparidades regionais, o programa Brasil Alfabetizado, do Ministério da Educação (MEC), atende prioritariamente os municípios em que mais de 24% da população não sabe ler e escrever.

Este ano, participam do programa 1.928 pessoas. Desse total, 84% são da Região Nordeste. Entre estados, o que concentra o maior percentual de analfabetos é Alagoas, onde um em cada quatro habitantes com mais de 15 anos não sabe ler e escrever.

“No Nordeste você tem um tipo de problema, no sul, outro. Você tem problemas muito peculiares em cada região do país. Para cada uma delas é preciso uma estratégia específica. O Nordeste brasileiro sofreu uma migração forte nos últimos anos, então chegaram analfabetos”, aponta o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, André Lázaro.

Para o presidente da organização não governamental Ação Educativa, Sérgio Haddad, é impossível zerar o analfabetismo no Brasil sem diminuir a exclusão social. “Em nenhum país do mundo você teve a superação do analfabetismo sem superar condições de pobreza absoluta. E no Brasil há Parcelas da população que vivem em situações de indigência”.

O pesquisador do instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Marcelo Medeiros ressalta que o analfabetismo gera um ciclo de imobilidade social que envolve não só o indivíduo, mas sua família. “É um ciclo de reprodução. Se você for analfabeto, sua chance de também ser pobre é muito alta. Quem está nessa condição não tem qualificação para ocupar um bom posto de trabalho. Então se você for uma pessoa pouco educada e pobre, tem menor chance de ir para a escola ou de ter acesso a uma educação de qualidade. Você acaba criando um ciclo por um longo período”, Aponta

O ajudante-geral Manoel José dos Santos, 40 anos, morador de São Paulo, resolveu voltar a estudar justamente porque tinha dificuldade de encontrar emprego. Nascido em Benedito (PI), há seis anos freqüenta as aulas de alfabetização na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Ele diz que já perdeu várias oportunidades profissionais por ser analfabeto, antes de ser contratado no prédio em que trabalha. ”Se tem uma vaga e seis pessoas disputando, vai levar quem sabe mais, não é?”, diz.

Hoje, é justamente quando anota recados ou separa as correspondências dos moradores de Santos se sente mais orgulhoso. Mas ele reconhece que precisa progredir um pouco nos estudos. Por causa do trabalho, ele não consegue ser assíduo e conta que já perdeu meses inteiros de aula. Apesar das dificuldades, o ajudante-geral está feliz porque pode procurar anúncios de emprego no jornal e checar endereços.

O pesquisador do IPEA alerta, no entanto, que a alfabetização não é suficiente para transformar a condição social e econômica dessas populações.
“A alfabetização é muito pouco, por isso as pessoas falam de letramento, que é um domínio das letras em um sentido mais amplo. Esse letramento é a base para você entrar em um sistema de aprendizado amplo. A gente precisa de muito mais para ter uma boa indicação no mercado de trabalho. Você tem que ter alguém preparado para aprender”, diz.

Foi em função da necessidade de trabalhar que o morador da periferia de Manaus Francisco Almeida, 64 anos, nunca conseguiu freqüentar uma escola. Assim como ele, 10% da população do Norte do país são analfabetos, a segunda maior taxa regional.

“É difícil sobreviver em um mundo cheio de números e letras, porque é como se isso tudo não existisse para nós. Mas existe para os outros”, lamenta Almeida, que começou a trabalhar aos 8 anos.
“Não sei ler, escrever nem telefonar, mas me viro para contar dinheiro e identificar as notas”, acrescenta.
Com orgulho, Chico, como é conhecido, diz que aprendeu a escrever seu nome, mas não considera a possibilidade de voltar a estudar. Ele já trabalhou como carregador em feiras, ajudante de caminhão, caseiro e pescador e, atualmente, vive da renda de um pequeno comércio de bebidas montado em casa.
“Continua sendo difícil trabalhar sem ler e escrever. Saber ler e escrever ajuda a ter uma vida melhor e melhores salários, mas não penso em voltar a estudar porque papagaio velho não aprende mais nada”, acredita.


Portal Ciência e Vida (Revista Sociologia)
http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/0/Artigo134902-1.asp

terça-feira, 12 de maio de 2009

sexta-feira, 8 de maio de 2009

De racismo e de novas territorialidades no sistema mundo


De racismo e de novas territorialidades no sistema mundo


por Michelle Amaral da Silva última modificação 24/04/2009 12:20
Colaboradores: Carlos Walter Porto Gonçalves
O racismo é um dos temas mais entranhados na sociedade moderna e, por isso, um dos mais difíceis de serem tratados com um mínimo de civilidade.
Carlos Walter Porto Gonçalves
Em 2001, a ONU realizou em Durban, África do Sul, a Conferência Mundial Contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. O local não podia ser mais apropriado, pois aquele país acabava de por fim ao nefando regime de apartheid que lhe havia sido imposto pelos colonizadores. A conferência, infelizmente, terminou com cadeiras voando e sem que os participantes tenham conseguido dar cabo da sua agenda de trabalho. À época, preocupava aos delegados europeus a possibilidade de que fosse aprovada uma resolução que reconhecia a escravidão como crime de lesa-humanidade e, ainda, que pudesse haver alguma condenação a Israel por crime de racismo contra o povo palestino. Em 2009, nos vemos em Bruxelas novamente diante do triste espetáculo de uma reunião da ONU sobre racismo não conseguir dar cabo da sua agenda de debates. Embora a mídia empresarial tenha enfatizado o discurso do Presidente do Irã como tendo sido o responsável pelos desentendimentos, é bom registrar que mesmo antes de qualquer pronunciamento já estava em curso um boicote à conferência protagonizado pelos Estados Unidos, Itália, Alemanha, Holanda, Polônia, Austrália e Nova Zelândia que não enviaram sequer seus embaixadores a Bruxelas.
Independentemente das razões imediatas alegadas por esses representantes de que recusariam o reconhecimento do sionismo como racismo, o que estaria sendo proposto pelo Presidente do Irã, é significativo que seja exatamente sobre o tema do racismo que os embaixadores, especialistas em evitar a guerra, não consigam sequer conversar quando não evitar a pancadaria aberta, como aconteceu em Durban.
O racismo é um dos temas mais entranhados na sociedade moderna e, por isso, um dos mais difíceis de serem tratados com um mínimo de civilidade. As reuniões da ONU comprovam. O racismo está na constituição do sistema mundo desde seus primórdios e continua a constituí-lo ainda hoje. Na América Latina/Abya Yala, no Caribe e na África, não há como deixar de reconhecer o recobrimento entre o processo de formação das classes sociais e a questão étnico-racial. Dois dos mais importantes sociólogos latino-americanos, o peruano Aníbal Quijano e o brasileiro Florestan Fernandes, insistiram nessa sobreposição. Faz parte da colonialidade que constitui a modernidade sendo seu lado até recentemente silenciado. Desde 1492 que a colonização do novo (para os europeus) continente se fez contra os povos originários de Abya Yala, nome com que o movimento desses povos vem designando o continente afirmado como América pela elite criolla, e por meio da escravização de povos africanos nas monoculturas com fins mercantis. Foi nesse momento que os europeus se descobriram como brancos e instauraram um dos mais perversos regimes sociais que a humanidade conheceu, promovendo a morte generalizada de milhões de autóctones tanto na África, como no Caribe e na América/Abya Yala para concentrar riqueza nas mãos de poucos, sobretudo na Europa. A Europa só passou a ter a centralidade geopolítica, geocultural e geoeconômica que hoje possui a partir desse regime social colonial-escravista. Não esqueçamos que até 1492 tomar o rumo certo era se orientar, enfim, ir para o Oriente. Condenar o passado mantendo intactas as posições atuais que por meio dele foram edificadas é contribuir para a manutenção do problema e não para sua solução. È fato que não podemos mudar o passado, como se costuma dizer, mas o que não podemos olvidar é que as desiguais posições de poder atuais foram construídas por essa história que, assim, nos habita na sua contradição.
Foram os próprios europeus que conformaram o holocausto cometendo com requintes técnicos e científicos a morte de milhões de judeus e de ciganos, entre outros povos, nos seus campos de concentração. O horror vivido pelos povos originários de Abya Yala/América e dos negros obrigados a trabalhar sob o látego do feitor depois de viajar nos navios do horror enriqueceram uma burguesia que só quer olhar prá frente porque não pode olhar o passado que lhe constituiu e que se reproduz enquanto pilhagem dos recursos naturais ainda hoje pagando salários de fome, sobretudo aos não-brancos.
O último período da globalização iniciada em 1492, o técnico-científico-informacional (Milton Santos) e neoliberal, ao contrário da homogeneização que de certa forma era seu ideal-tipo tem que aceitar a diversidade de culturas de fato como resultado da resistência dos diferentes à nova colonização, agora em nome do desenvolvimento e do mercado. As migrações acabaram colorindo as periferias de Londres, de Paris, Amsterdã e de Berlin e, assim, aproximaram os diferentes lá mesmo no centro do poder mundial, fenômeno nada novo para quem viveu no lado colonial do sistema mundo moderno-colonial. Há uma resistência xenófoba à transculturalidade e à transterritorialidade em curso no mundo que explicita uma questão de fundo do sistema mundo moderno-colonial e que as reuniões da ONU expressam esse mal-estar. Não será com muros que se vai impedir a invenção de novas territorialidades de que o mundo está grávido. Os equatorianos acusados de indocumentados na Espanha brandiram a carta de Cristóvão Colombo como seu documento de identidade para que pudessem continuar vivendo de seu trabalho na Espanha e, ao mesmo tempo, contribuir para o sustento de suas famílias no Equador. Essa Espanha, que hoje quer expulsá-los, é a mesma que se enriqueceu com exploração das minas de ouro submetendo os quéchuas e os aymaras no seu próprio Tawantinsuyu.
Ainda recentemente, em 16 de Março de 2003, houve uma reunião de cúpula nas Ilhas Açores onde participaram os Estados Unidos, a Inglaterra, a Espanha e Portugal quando se decidiu, à revelia da ONU, pela invasão do Iraque. Tanto o local como seus participantes são emblemáticos para entendermos o significado do que está implicado no sistema mundo moderno-colonial: os Açores são o arquipélago que se tomou como referência para demarcar o Meridiano de Tordesilhas justo no momento em que o Atlântico Norte passava a se constituir no centro geopolítico do sistema mundo moderno-colonial e, ali estavam na reunião de 2003 os que hegemonizaram a primeira moderno-colonialidade – Portugal e Espanha – e, ainda, os que passaram a comandar a segunda moderno-colonialidade – a Inglaterra – e seu desdobramento hegemônico atual, os Estados Unidos. Nunca a geografia e a história foram tão emblemáticas do padrão de poder mundial como nesse encontro dos Açores.
Enfim, vivemos um momento de bifurcação histórica, diria Yllia Prigogine. Há um processo de transformação em que a longa duração, de que tanto nos alertara Fernand Braudel, está se condensando na curta duração pela ação de velhos/atuais protagonistas agora visibilizados no novo quadro histórico que demanda por radicalização democrática. Que a dor dos povos originários de Abya Yala/América, dos negros desterritorializados e escravizados, dos judeus e ciganos confinados em campos de concentração e dos palestinos, hoje massacrados por Israel, nos inspirem na conformação de novas instituições, onde a igualdade e a diferença se combinem no sentido da emancipação das condições de exploração/opressão do sistema mundo moderno-colonial que ainda nos constitui.


*Doutor em Geografia pela UFRJ. Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF. Pesquisador do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso. Ganhador do Prêmio Casa de las Américas 2008 de Literatura Brasileira. (24/04/2009)

A Tentação de Ensinar



A Tentação de Ensinar


As tentações existem. São diferentes das que nos acossaram outrora, mas continuam aprontando confusão. Cada profissão tem suas peculiares tentações. A tentação do escritor é escrever o dia inteiro e a noite toda até que lhe doam a mente e as mãos.
A tentação do psicólogo é mergulhar na alma alheia, mar sem fim, e ali perder a respiração. A tentação do pescador é pescar o tubarão.
A tentação do cozinheiro é não sair do forno e fogão.
A tentação de cada um é ser o que é para além de todo e qualquer limite, e então perder sentido e noção.
A tentação do professor é ensinar tudo e um pouco mais, dar todas as lições do livro e da apostila, sempre com as melhores intenções.
O professor é tentado pelo demônio diplomado, pelas excelentes idéias pedagógicas que povoam sua inteligência, sua memória e imaginação.
O professor é tentado a cuidar da avaliação, como se avaliar pudesse todas as dimensões do ser humano, esse mistério em mutação, microcosmo em rotação, poço sem fundo em constante ebulição.
O professor é tentado a resolver os mais diversos problemas que invadem sua sala — da Aids às drogas, do tédio ao suicídio, do pavor à depressão... mas não só grandes questões, também problemas menores como infestação de piolhos, gripes, briguinhas, bagunça, conversa paralela e xixi no chão.
O professor vive caindo em tentação porque acredita possuir, sempre, para tudo, a melhor solução.
O professor é tentado a aceitar humilhações em nome do dever, do amor e da paz, e do perdão... tudo por abnegação.
O professor é tentado a gemer um "não" quando deveria gritar "sim", ou a conceder seu "sim" quando seria hora de dizer, apenas, "não".
O professor é tentado no deserto a definir o errado e o certo, a ser representante da ética, e a repartir com todos o seu pão, e a repetir, parafraseando Pessoa, que tudo vale a pena quando não é pequeno o coração.
O professor é tentado a acreditar em ilusões e esquecer a realidade, ou a só pensar no real e colecionar desilusões.
O professor é tentado a prometer a salvação, liderar revoluções, promover a pedagogia da libertação.
Ó professor, não se deixe cair em tentação! E que nós nos livremos do pressuposto equivocado de que aprender é, tão somente, ouvir instruções.


Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP – Web Site: http://www.perisse.com.br/